quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Lixinho - Três. (A Estrela)



O nome da escola era Piac. Do maternal à quarta série. Muito simpática: mãozinhas dos alunos decoravam o muro da entrada, atividades entre pequenos e grandinhos garantiam a integração social. Aulas muito divertidas, interativas (embora não mais que as outras escolas), um lugar graciosamente normal, com acontecimentos graciosamente normais.

Aí teve a apresentação. Uma apresentação de final de ano da qual todas as séries participariam. Os pais foram convidados, alugou-se um teatro em um conhecidíssimo lugar insignificante e tudo indicava magnitude e sucesso. E a minha turma - na época um fantástico Jardim II, da qual eu gostava de me imaginar uma aluna brilhante - ficou responsável por fazer uma peça de teatro. Tema: O Nascimento do Menino Jesus. Não, não era uma instituição católica ortodoxa (aliás, não era nada relacionado a religião), mas parece que Jesus mexe com as pessoas lá no fundo, sabe. Imagine as avós falando: "Oh, meu neto foi José! Bem se vê que será um garoto de bem! Precisava ver, tão bonitinho! Nasceu para isso". Chamava as pessoas para a peça. Tudo uma questão de publicidade. Tudo armado para que mais familiares fossem testemunhas da linda educação que era dada aos pequenos.

Bom, armação ou não, eu fui escolhida para ser a estrela-guia.

Meu Deus. Eu. A estrela-guia. Eu era o personagem principal ali. Eu que fazia o negócio todo acontecer. Se eu cismasse e fechasse a cara, nenhum dos reis magos chegava até Belém. Estava tudo na minha mão. Aquilo era tudo por MINHA causa. Menino Jesus era um mero figurante, uma consequência. Eu reinava no brilho mais forte.

E a minha roupa de estrela, ah, a minha roupa de estrela. Linda, cintilante, cheia de fitas douradas e prateadas, coberta com pequenas pedrinhas brilhantes (de plástico, mas lindas). Eu ERA a estrela.

E então chegou o dia da apresentação. Nossa mãe, nossa mãe! Fiz tudo certinho, entrei no palco, andei até a manjedoura (posicionada no canto esquerdo, olhando da platéia), subi no banquinho estrategicamente colocado atrás do "estábulo" e fiz meu papel, como eu havia ensaiado por tantas semanas. O sensacional papel de estrela consistia em subir no banquinho, erguer os braços e agitar freneticamente minhas mãozinhas repletas de fitas brilhantes penduradas.
O tempo todo.

Não sei se alguém faz idéia de como os minutos ficam maiores quando se tem cinco anos e sua vida nos palcos depende de que você sacuda suas mãos com a vitalidade de uma cauda de cometa. Em poucos segundos, meus braços começaram a doer. A doer muito. Eu, na minha profissional pequenez, olhei para a minha professora ("tia") com os olhos mais adoráveis que este mundo já presenciou e disse sem emitir sons:

"Tô cansada."

Qualquer um derreteria. Qualquer um diria: "oh, lindinha, pode parar, descansa". Mas acontece que a minha professora, justo a MINHA, era o ser mais cruel daquele jardim de infância e me respondeu:

"Fica revezando as mãos".

Revezar? REVEZAR? Será que aquela mulher tinha filhos? Será que ela sabia o quanto eu queria descansar? Será que aquela mulher tinha alma?!

Eu, dócil, obedeci, lógico. Afinal, era uma aluna-modelo. Mas não sou capaz de dizer quantas vezes imaginei uma revolta violenta contra aquela professora. A última foi hoje à tarde. A cena é sempre a mesma; eu, com toda minha lábia, viraria todos os meus companheiros atores contra a megera sem coração. Todos ficariam muito comovidos com todo o sofrimento que ela me fizera passar e juntariam-se a mim para amarrá-la nas cortinas do teatro e fazê-la sacudir as mãos como se sua vida dependesse disso. Minha visão sempre termina com um close meu. Eu, líder absoluta da rebelião.





Espero que esse texto tenha mostrado a todos a importância de acompanhamento terapêutico na infância. Minha mãe não me botou na terapia porque a Caberj não cobria e deu no que deu.

9 comentários:

  1. Também tenho trauma de teatro infantil, no Jardim de infancia, por ser um dos mais altos, eu fui a arvore, Que papel INUTIL .-. uma arvore, fiquei parado com os braços abertos .-.

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  2. o/
    você conhece a minha dor! junte-se a mim! hauhauhau

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  3. eu acho que nem lembro do meu jardim de infância :( mas eu ri tensamente lendo isso aqui. e pois é, né, rapaz, deu no que deu... hahahah brincadeira, vc é linda, vc é uma estrelaaa! hahah

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  4. O caso foi que a professora deve ter ficado com raiva de MIM e descontou em você!

    É lógico que eu não ia fazer um estrela-guia normal, preparei uma fantasia estilizada. Uma releitura da estrela-guia. (Tudo bem: uma LIVRE releitura) Linda, brilhante e certeira! Claro!
    É lógico que eu NÃO ia fazer uma daquelas de papel com um buraco para a cara. Papel laminado doirado!
    E é lógico que aquela zinha queria era essa!

    O ohar frustrado da mulher olhando para aquela estrela não-óbvia...
    Pronto, descontou em você!
    "Quer ser diferente, então balança a mãozinha!"

    Tadinha da minha estrelinha...
    Mas você estava linda!!!!!

    Quer terapia agora, quer?

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  5. Vovô Paulo filmou tudo.
    Claritcha eu nunca me dei conta que aquilo foi a "treva" pra você. Noutro dia, revendo as fitas que mandei passar para DVD lá estava você linda, radiante como se uma estrela de verdade fosse. O vigor com que você agitava as maõzinhas freneticamente nos fazia pensar que você estava desempenhando o maior papel de sua vida.
    Qualquer dia desses venha rever o seu "suplício"
    Mas que estava linda...isso estava.

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  6. Eu fiz um pirata aos 6. Mas como eu sempre fui apaixonado pelo teatro, não era problema para mim. Desde que não seja eu que esteja falando e sim o pirata.

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  7. Ooooownn, minha chumbichumbi! Ta traumatizada, mozinho? Fica assim não, você estava linda (como se minha memória funcionasse a esse ponto com minhas lembranças dos 3-4 anos)! Mas todos me acharam muito mais carismática de anjinho x)

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  8. Clara, seja generosa com as mães e as professoras. Elas não podem tudo...
    PS; nunca mais papel de estrela, árvore, vento...

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