domingo, 28 de fevereiro de 2010

Pode Ser Azul.



“Por que você não sobe no céu de para quedas e abre uma nuvem?”
Um menino de seis anos olhou para o cordão com um pingente em forma de chave que ela carregava no pescoço e disse.
Porque era a chave do céu. E, se dá para abrir o céu, a gente vai até lá e abre.
Porque esses momentos são necessários. Esses em que a gente, que se acha mais alto, percebe como é mais baixo.
E porque aos seis anos tudo é poesia.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Muito, muito, muito.

Era uma vez um menino muito, muito, muito alto. Ele era tão alto que as nuvens ficavam em volta da cabeça dele e quando ele falava fazia vento. Vento não, brisa. Porque era muita palavra doce e leve.

O menino tinha muitas, muitas, muitas dúvidas (acontece que era um menino muito, muito, muito inteligente, e meninos assim têm gosto em perguntar e saber mais). Tendo muitas dúvidas, procurava muitas, muitas, muitas respostas. Encontrava não tantas. Mas a procura já valia boa parte da energia gasta em questionar. Questionar alimenta, sabe? Dá trabalho, mas fortalece. E procurar a resposta dá vigor.

Um dia ele botou o pé para fora de casa e viu um céu muito, muito, muito cor de rosa. Olhou para os dois lados da rua muito, muito, muito vazia e entendeu pouco. O céu sempre fora tão, tão, tão azul, por que agora tão cor de rosa assim? Se tivesse alguém junto dele, olhando como ele para onde ele olhava, poderia perguntar se via rosa também. Mas não havia ninguém acordado ainda. O menino acordava muito, muito, muito cedo todo dia, para poder correr até a praia e ver o sol nascer. Mas nesse dia não só o sol não tinha nascido como o mundo tinha acordado cor de rosa. E o menino olhou para as nuvens em volta de sua cabeça e não via nenhuma que não fosse colossalmente, fabulosamente, normalmente branca. Ora, as nuvens não haviam mudado. Nem nada lá embaixo. A grama era verde, o asfalto era preto (ou cinza), os pombos eram cor de pombo, a areia (lá no fundo) era bege ou branca, os prédios tinham as cores que tinham um dia atrás. Só o céu que tinha resolvido trocar de roupa. Mas não se incomodou. Gostava de rosa. Não parou de se perguntar o por quê, mas não pensou nem por um segundo que era errado. Que seja rosa, azul, amarelo ou verde: quero o céu como o céu se quiser.

E, sim, o menino tinha muito, muito, muito amor. Um amor muito, muito, muito grande. Tão grande que era difícil conseguir camisas para ele; não por sua altura, mas por causa de seu coração, tão largo e tão cheio. Por isso, o susto do céu rosa durou um pouco menos. O amor era tão verdadeiro, tão puro, tão intenso, que não seria exatamente uma surpresa ele um dia descobrir que uma parte do amor havia fugido de dentro dele e ido parar do lado de fora. Era de fato muito, muito, muito grande. Pensava ele que provavelmente grande demais para caber dentro de alguém, mesmo em um alguém tão alto como aquele menino. Logo, se o céu estava rosa para ele (até onde se sabia), era porque estava colorido com amor, nada mais justo e claro.

Ele é muito, muito, muito, bonito. E aceita o céu da cor que for, nunca parando de amar com força e gratidão tudo no mundo que reflete o amor de bem. Andou até a praia, sentou numa pedra muito, muito, muito grande e muito, muito, muito boa, deu um suspiro muito, muito, muito profundo e viu o sol nascer.

O sol nasceu violeta.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

E nós subimos em árvores.







(se possível, leia ouvindo Open Your Eyes, do Snow Patrol.)


O mundo corre para todos os lados. Cada lado que vai é um lado que volta. Em toda manhã há alguém que abre a janela, olha o sol nascendo no que já foi e respira fundo para sentir coisa que ainda vai ser. E que mesmo vivendo no meio de tudo, toma café e anda. Faz o que precisa para não ser núcleo estático, mas para se mexer e poder olhar de fora também.

Tem planetas que giram junto da Terra, que gira em volta do Sol. Em outros lugares da galáxia tem outros planetas, que giram em volta de outras estrelas. Em outros lugares do espaço tem outras galáxias (a gente é pequenininho). Em uma pessoa há vários espaços. Desses espaços, há os que são preenchidos por outras pessoas, os que outras pessoas fizeram, os que são feitos pela própria pessoa que os tem, os que só vão sumir quando a pessoa lembrar de algo que já esqueceu, os que só se vão quando a pessoa esquece de algo (se bem que cada lembrança implica em um esquecimento). Tem espaço onde cabe muita coisa diferente. Tem espaços que abrem mais espaços e mais um montão de tipos de espaços - tem até espaço que já acabou e ninguém viu. Os que sobram (os espaços físicos), são todos preenchidos pos coisas formadas por átomos. Nos átomos tem elétrons, que giram em torno de um núcleo. Em tudo que se vê (e em parte do que não se vê) tem bilhões de átomos diferentes, com bilhões de elétrons rodando. Eles são pequenininhos. Nosso planeta será elétron de quê?

Tem gente que vai andar na praia. Que depois de suar bastante, de botar bastante água para fora, senta e põe água para dentro. Mas olha o mar também, o que já é bom.

Tem gente que vai andar no coração dos outros. Que depois de pisar bastante, de fazer a pessoa botar bastante água para fora, deixa alguém andar no próprio coração. E põe um monte de água para fora. Mas olha o amor (amar) também, o que já é bom.

Tem um monte de pessoas andando lá fora. E animais. E a diversificada mistura dos dois. Eles andam o tempo todo. E se um pára, os outros continuam andando, em todas as direções. Ninguém anda sozinho (uma direção é sempre compartilhada).

Tem muitos lugares lá fora. Ermos e habitados, vibrantes e sóbrios, alegres e tristes. Que mudam de tamanho, dependendo de quem vê. Que acolhem. Que fazem rir ou chorar. E chorar.

Tem um céu lá fora. Que (também) muda de cor e tamanho, dependendo de quem vê, como e quando.

Tem gente que morre, sim. E tem gente que nasce. Tem gente que vive e tem gente que existe.

Tem gente que sabe contar histórias. Tem gente que sabe ouvir. Tem gente que sabe olhar. Tem gente que sabe cozinhar. Tem gente que gosta. Tem gente que precisa.

Tem gente que abraça, tem gente que beija. Há os que batem. Há os que sentem muito. Há os que sentem medo. Há os que sentem medo e dizem que não, só para proteger outros.

...

Porque tem gente que ama.
E nós, que subimos em árvores, queremos ver tudo de cima.