sexta-feira, 16 de abril de 2010

O bloco da família vai atrás.

Esse é só mais um textinho para tranquilizar meus amados parentes. Não estou depressiva, arrasada ou acabada. Acontece que a escrita exige do autor toda a Vida. Não se escreve por metades de si. O que vem de mim vem inteiro, e esse inteiro diz respeito a dores, alegrias, gritos, trapos, jóias, céus e chãos, tanto os que já foram quanto os que ainda serão. Então sosseguem: ninguém é só riso ou só choro, ainda que na arte derrame o extremo de cada fração de si.

Eu tô legal. Muitos beijos na madrinha.


(Ouvindo: Além do que se vê - Los Hermanos.)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Então bebe.


Eu estou com sede. E acho que estou com sede de tudo.
Eu estou com sede de água. A pele de minha boca repuxa até a garganta e a secura vai até o fundo. Parece que a sede enxuga o que deveria estar molhado. E eu olho o copo dos outros sentindo o líquido que não é meu escorregar por dentro. E eu desejo tanto este copo d’água. Este aqui, que está bem na minha frente e eu não apanho, porque preciso – preciso porque mando em mim – sentir a sede. Deve ser tão bom a água escorrendo gelada, engolir a vida. Tenho o copo em mãos, mas não bebo. Sinto sede.
Eu estou com sede de entendimento e de compreensão. Eu quero ser capaz de dizer por que. E se entender, quero ser entendida. Tudo e todos são diferentes quando um faz, o outro assiste e nenhum sabe. Fez o quê? Fez por quê? Quer o quê? E compreender, quem compreende? Eu tenho sede de espelhos nos corações dos homens. No meu, muita. Que um estenda a rosa e o outro entenda a flor. E compreenda por que esta lhe foi estendida. Tenho sede de entender os outros. Parecem perto como meu copo, mas a água não me vem aos lábios. Quero beber-vos em grandes goles, e ser capaz de suportar e amar vosso gosto.
Eu tenho sede de querer. Ou de nomear o que quero. Como reconhecer o rosto com o qual quero topar na próxima esquina (ou mais longe, talvez) se não sei como chamá-lo? Eu tenho sede de querer muito, muito, e ter certeza disso. E desse querer fazer o que é físico. E para isso que é físico, olhar com orgulho e vontade de querer mais. Mas se não quero nem sei, o que fazer com o monte de tudo transformável que tenho em mãos, meu futuro massa de modelar? E vou parar de jogá-lo de uma mão à outra, sentindo o bolo disforme que é meu e pode ser qualquer coisa?
Eu sinto sede de palavras. De frases encadeadas, parágrafos, letras, papel, caneta, linhas, lápis, traços livres, cheiro de madeira de lápis, grafite no rosto... E de rasgar papel. E de usar o papel de novo. E de respirar e me sentir deitando em cima do que escrevo.
Eu tenho sede de fazer. Pensar, planejar e fazer de verdade. Sede de achar que dá. Que passo. Que sim.
Nossa, como tenho sede de ir.
Eu tenho sede de música. De me entregar como quem se entrega a um beijo à música que realmente faz som dentro. Música que alimenta e mata a sede me põe de joelhos no chão e olhos no céu.
Eu tenho sede de ver. Virar a cabeça para todos os lugares e deixar gravando.
Eu tenho sede de coragem e de parar de fingir que realmente me importo quando preferiria estar longe dali.
Eu tenho sede de explicação, mas isso eu já disse.
Eu tenho sede de amor. E de verdade. E de segurança. E de certeza. E de confiança. E de amizade. E de gratidão. E de sentir. E de estudar. E de aprender. E de lutar. E de contar. E de pegar. E de criar.
Eu tenho sede de rosas.
E tenho muita, muita sede de mim.



Para acabar com a sede, bebe-se.
Então eu choro, ouço uma música, olho para cima, olho para frente, pego o copo d’água e bebo.

Fôlego.

É esse embolorado de coisa aqui no peito, que só me faz querer correr, correr, correr, correr,
correr, correr, correr, correr, , correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr (correr de mim) , correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr (pra ver se eu esqueço o novelo cheio de nó em algum lugar e sigo) , correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr (até tudo ficar mecânico e eu não precisar pensar) , correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr (para pelo menos parecer que eu quero chegar a algum lugar) , correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr (correr dos outros) , correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr, correr.
Mas eu não corro. E olhar para os lados enquanto eu caminho me incomoda.