terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Já passou.

Breve explicação e contextualização:
Encontrei isso no fundo de uma gaveta, enterrado em um caderno qualquer. Foi escrito em um momento muito delicado, muito extremo, de sofrimento mesmo. Gostei de ler por perceber que havia passado. Lembro que quando escrevi achava que não passaria nunca. E passou. Posto aqui para simbolizar minha vitória, meu reencontro.
Além disso, poderão ver como sou quando escrevo para mim e só para mim. Esse texto nao tem filtros. Perdoem eventuais sustos.
Mas já passou.





Mas graças a Deus eu posso escrever.
Eu parei diante da parede, estendi as mãos e através da pedra fria pude sentir do outro lado a sombra de indesejável lembrança. O fato de existir uma prova concreta de que já fui feliz como fui, já quis como quis, já amei como amei e já amaram como amaram me incomoda profundamente. Da mesma forma que me lembra do bom que foi, esfrega na minha cara a conjugação no passado de cada verbo relacionado ao amor que tive. Perfeito ou imperfeito, o pretérito me dói, qualquer que seja o ângulo analisado. Saber que a personificação de tudo isso anda por aí me dói. Minha dor tem nome, rosto, anda sempre longe de mim e nunca ausente.
Aliso a parede e percebo outras sombras. Os fantasmas só fazem chegar. A intenção – que só pode ser descrita como objetivo – de não tornar nada real é evidente e física. Por mais que afirme que o medo já foi, não deixo espaço para transformar as imagens de futuro em presente. Meu maior presente seria meu passado agora.
Estou machucada, sinto dor. Tentei curar com outros e com isso acabei ferindo alguns – coisa que jamais desejei que acontecesse. Mesmo que não proposital, mesmo que só como conseqüência, é terrível ter de suportar a dor de provocar dor. É constante. Mesmo quando rio. Mesmo quando respiro fundo. Não pára. A vida é assim, as coisas continuam, mas e então? Sofri (sofro) por tanto tempo e o máximo que consigo fazer é alguém sangrar pelo mesmo punhal que me foi enfiado no peito?
E quando penso – quando há o respiro de alívio – que encontrei uma cura, que achei braços que me acolhessem como no passado, que me entregassem a mim de novo, esses braços apertam, quebram, ferem, partem pedaços com o maior amor do mundo e o pouco que restou inteiro é destruído. É caco de vidro no chão, daqueles que entram na pele e fazem sangrar, mas que a gente não vê.
Por que eu choro a dor dos outros se ninguém chora a minha? Toda noite, toda tarde, chorar por muito mais de um. É justo? Não digo que minha dor é maior ou menor que a de ninguém, mas é minha.
Meus dedos já sangram de tanto agarrarem-se ao relevo das pedras do muro. Com uma das mãos, aperto o outro braço até que minhas unhas penetrem minha carne insensível (uma tentativa de distrair a dor de dentro). Cansada, há essa hora, de ouvir meu riso triste ao notar – de novo – que físico é nada. Aliás, não. Físico é algo? Minha dor é tão grande que passou há muito a barreira da mente e é física. Aproximadamente um palmo à direita do coração, no centro do peito. Dói ali. Quando choro. Quando respiro. Quando penso. Vai ver é tão forte que já é nada: é corpo, é físico.
Diria que gostaria que amor preenchesse o vazio dentro de mim. Mas não há vazio. Há o vazio do vazio. Falta espaço. Tudo parece ocupado com algo pegajoso, lamacento, extremamente brilhoso em alguns pontos. Vinte e cinco mil emoções rodando o tempo todo, com todos os reflexos físicos de cada uma delas. E eu só quero que pare.
Por que quem eu amo não me ama? Por que quem eu quero amar não me deixa amar? Por que eu não consigo amar quem me ama?
Não é justo, isso não é justo! E eu sei que não é só querer amar! Não é só amor que eu quero! É o amor dele! Ah, por que é tudo assim? Se só piora, se só piora, eu não quero continuar. Não sei se quero.
Minto. Quero sim.
“Why are you scared?”
Porque sei que amor é sol.
Eu cansei de me ferir.
Eu cansei de ser longe.
Eu cansei de não ter (alguém).
Eu cansei de não pertencer.
Eu cansei de não querer.
Eu cansei de não quererem.
Eu cansei de ver que só penso em mim.
Eu me quero de volta. Por favor, me traga de volta. Falo para a parede, baixinho. Colo por alguns segundos os lábios na superfície fria e suja. Falo para a pedra procurando falar com Deus. Senhor, traga-me de volta. Me ouço gritando por mim, mas não sei onde me perdi. Se o Senhor me encontrar, diga que sinto saudades. Que me espero em casa, com comida, agasalho, papel e lápis. E que eu me sinta confortável para contar o que aconteceu comigo. Vou querer ouvir cada palavra. Eu amo esse eu que está perdido, Deus. Ele é meu vazio cheio de amor. Tenho amor o tempo todo, em qualquer pedaço, mas esse meu eu perdido me equilibra no que sou. Deus, traga-me de volta para mim.




Afasto-me da parede. Por muito tempo ainda fico tocando as pedras. Depois me afasto, com o olhar certamente perdido no sol.



(Em tempo: ao largar a lapiseira e fechar o caderno, vivi alguns momentos comigo. Reconheci-me de volta. Se for permanente, Deus é bom. Se não for, também.)

(Passei tanto tempo tentando fugir de mim e agora corro para me reencontrar. O mesmo acontece com meus outros amores. Não quero que minha vida seja uma corrida.)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

No ar.


Aconteceu quando ele deitou para descansar a cabeça vazia. O nível de conforto fornecido pelo banco gelado e ainda úmido de orvalho era perfeito; Não queria plumas, queria a coluna reta. E a cabeça um pouco mais alta que o resto do corpo, é verdade. A fim de preservar a perfeição momentânea da posição, ajeitou o jornal meio embolado acima da nuca. Pôde, então, respirar. Inspirou profundamente flor e vida no ar matutino e sentiu uma pontada do lado esquerdo. Levou a mão à altura da cintura e encontrou a farpa. Ainda não tinha se soltado do banco. Puxou-o com certa firmeza e o pedaço de madeira parou de lhe perturbar a pele. Sentiu o resto do banco à procura de novas farpas. Tendo tocado apenas o áspero natural da madeira, voltou à posição de descanso. Inspirou fundo mais uma vez, procurando tecer dentro de si, através do ato de respirar, um infinito e sem peso cobertor de idéias para vir. Idéias iminentes são o produto da respiração da mente que deita em bancos. Há nos bancos de praça espécie de fluido mágico que acende no ser a vontade de criar e construir ao mesmo tempo em que mantém o mesmo ser cheio de vontade de continuar lá, vendo o mundo acontecer. Provavelmente é por isso que os pombos passam tanto tempo em praças e bancos e bancos de praças. Sabe-se lá o mundo que um pombo constrói ao balançar a cabeça enquanto se aproveita do elixir criativo que lhe é oferecido o dia inteiro. Puxa, um pombo. Ao ouvir os arrulhos, ele abriu os olhos de leve e pôde ver a ave ciscando alguns dos sonhos caídos dos bolsos de gente que passa rápido demais e, por descuido ou por vontade, deixa parte do que queria ser junto dos passos dados. Ficou observando a pequena criatura que se movimentava por pequenos vôos de um lado para o outro no círculo de areia e fechou os olhos de novo. Então os gritos começaram. Galinha da cidade! E risadas. Não resistiu, abriu-os. Viu um menino perseguindo um pombo marrom e sentou-se de lado para observar o fotógrafo e o fotografado. O garoto ia trás do bicho, segurando uma máquina daquelas com filme e parecia decidido a registrar cada passo que seu alvo dava. Será que queria fotos seguidas, como que para capturar o movimento? Não sei. Veio uma menina se encontrar com ele. A menina ri, um sorriso fácil e solto de sol. É bela. Segura o rapaz pela mão e, rindo, o convence a largar a galinha da cidade e sua caça esportiva. Ele parece esperar que nasça uma flor de cada sorriso dela, tamanha é a ternura que olha para o seu rosto. A menina parece tentar retribuir o carinho tão sincero com mais sorrisos, mais palavras, mais olhares, mais gestos. Ele inteiramente dela, ela querendo poder ser inteiramente dele. Vão os quatro embora: ele, ela, o pombo e o amor. O homem deitou no banco, olhou para o céu claro de início de manhã e viu borboletas e nuvens. Imaginava que os insetos eram gigantes e voavam na mesma altura que os flocos brancos do azul.
Então aconteceu. Lembrou-se
- Preciso amar.
E se levantou e foi.
Obs: Agradeço a Caio Pires pela foto e pela manhã.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Sopavisá

Estamos em recesso, por livre e espontânea pressão. Escola tá tenso, amizade.
Mas a gente volta, ok? :)

domingo, 11 de outubro de 2009

Idéias Claras. - Quatro.



Ella - diz:
é...
o blog tem te feito bem, né?
Eu - diz:
bastante
meu avô leu os últimos posts e perguntou pra mamãe se eu não tava ficando maluca x]
hauhauhau
Ella - diz:
acho que sua família está te conhecendo mais
Eu - diz:
as pessoas se assustam de ver outra por dentro
Ella - diz:
na verdade sinto que muita gente conhece vc mto pouco
foi dificil começar a mostrar?
Eu - diz:
pra falar a verdade, eu não sei nem o quanto eu me conheço
acho que me conheço bastante, mas não falo pra mim que conheço x]
não quero ver ou nao consigo, sei lá
difícil? não, falar de mim é muito fácil
complicado é saber o que falar e o medo de estar falando inverdades x]
Ella - diz:
estranho como sinto coisas parecidas com as que vc sente
Eu - diz:
acho que todo mundo sente
quem se conhece? quem sabe viver?
Ella - diz:
a ignorância facilita a vida de muita gente
Eu - diz:
muito
é muito mais simples não saber de nada
é muito menos denso
Ella - diz:
é muito mais fácil
vc vive por viver
vc leva por levar
vai passando por tudo
Eu - diz:
mas isso é viver?
ou existir?
Ella - diz:
acho que existir
Eu - diz:
viver complica demais a vida da gente
Eu - diz:
e ainda assim, tanta gente tem tanta vontade de viver...


(...)


Ella - diz:
estou aqui, ficando com uma pessoa legal, que gosta de mim...
deve ser o certo
Ella - diz:
mas e aí?
só sinto medo, nada além de um medo que me machuca todo dia
Eu - diz:
exato!
muito medo, o tempo todo
por mais que seja legal, por mais que pareça certo
ainda tem muito medo
eu li as coisas que eu escrevi...
cara
é incrível
Ella - diz:
as vezes acordo e me levanto... só pelo futuro
Ella - diz:
as vezes me pego vivendo só pelo futuro, pensando que vai passar
onde ficou o meu presente?
uma mera ponte desesperada pro futuro?


(...)


Ella- diz:
o passado eu tenho que esconder de mim mesma
ele dói, parte pela saudade
parte por saber que é PASSADO
viver sonhando num futuro diferente... será que isso é certo?
Eu - diz:
será que isso funciona?
e como fazer pra não ser só futuro?
Ella - diz:
e se o futuro não for esse sonho lindo, vou morrer de frustração?
Eu - diz:
e se for só o sonho?
cara
a questão é saber transformar futuro em presente
Ella - diz:
será que alguém chega no futuro fazendo o presente só de ponte ou morre ainda pensando em futuro...
Eu - diz:
não a gente.
cara, tô cansada de ter medo
Ella - diz:
a gente tem tanta coisa dentro de si, parece uma bomba pronta pra explodir
Eu - diz:
muito cansada mesmo
Ella - diz:
é tanta coisa, e tanta coisa boa também
Eu - diz:
pois é
e quando eu paro pra analisar, tem vezes que tudo parece tão simples
que eu que complico, sabe
e se eu simplesmente decidir que nada é complicado?
se eu simplesmente apagar a preocupação?
Ella - diz:
por que somos tão complicadas?
Eu - diz:
porque eu sinto que, de verdade, nao é difícil
nao tem que ser.
entao é só nao ser
acho que vou fazer isso.
sério.
vou parar de complicar.
e pronto.
parar de ter medo, já chega
Ella - diz:
se vc for fazer, acho que tento contigo
Eu - diz:
há três, quatro meses, eu não tinha medo
não tinha medo de me jogar, de começar coisas, de fazer as coisas
nao sentia vontade de pensar no que viria, porque viria de um jeito ou de outro
o que vai vir, virá de qualquer jeito, mesmo se a gente não ficar pensando
entao não é muito melhor não se preocupar e só viver?
e repare que eu disse viver, e não existir
viver não é só complicaçao
não tem que ser
do mesmo modo que despreocupação não é só existir
vamos fazer isso?
Ella - diz:
acho que temos...
e se algo não der certo
vai nos restar aceitar e tentar tudo de novo
Eu - diz:
isso
Ella - diz:
como quem liga pouco
como quem vê nisso... o normal de todo ser humano
Eu - diz:
não, não como quem liga pouco, como quem aceita.
isso, como quem vê que é normal.
que acontece
Ella - diz:
e que vai acontecer mais e mais
até que pare
Eu - diz:
mas não deixando, mesmo assim, de amar livremente
Ella - diz:
amar bem mais se possivel, ou ao menos demonstrar mais o gostar
mas sem dor
Eu - diz:
isso.
e se a dor vier, que seja aceita. mas por tempo limitado.
não deixar a dor ficar mais que o necessário
rejeitar a dor também não funciona, faz tudo dentro ficar dormente
rejeitar dor é rejeitar amor um pouco...
Ella - diz:
não é como todos dizem? a gente namora vários...

Eu - diz:
huahau, pois é
mas não sair namorando todo mundo
é só saber que não tem medo disso.
não precisamos mostrar nada pra ninguém
só pra gente.
Ella - diz:
isso...
Eu - diz:
as pessoas que tirem suas conclusões
nós vamos ser felizes =)
Ella - diz:
acho que começar um namoro amando fervorosamente... é mesmo dificil
Eu - diz:
sim, é. E ninguém espera isso da gente
Ella - diz:
acho que podemos tentar construir
Ella - diz:
pq isso vir, assim de graça... duvido...
Eu - diz:
sabe o que eu acho?
que a gente exige muito de nós mesmas.
muito mesmo.
de nós e do mundo.
Ella - diz:
de cada pessoa próxima...
Eu - diz:
de tudo
Ella - diz:
as vezes nos amam, só não da mesma forma
ou com as mesmas expressões
demonstrações...
Eu - diz:
pois é
o amor é muitos
(concordância proposital)
Ella - diz:
o amor é muita coisa mesmo
e a gente entende pouco dele
pouco do que ele é para os outros
Eu - diz:
pouco do que ele é pra gente
só fui ver o quanto eu gostava do (nome agora vazio) quando acabou
acho que nada nunca doeu tanto
Ella - diz:
amor passa?
Eu - diz:
li minhas coisas da época dele e vi tanto... Tanto que eu nao percebia. era muito maior que eu imaginava
Ella - diz:
espero que sim, que fique só aquela gotinha de amor lá dentro, no fundo, coberta por lembrança
Eu - diz:
"o amor não é um sentimento, é uma habilidade"
O Amor nao acaba =)
e isso não é ruim
Ella - diz:
mas amar aquele que nunca mais estará ali para sempre?
isso precisa parar de me doer
Eu - diz:
minha mãe escreveu uma coisa tão bonita pra mim quando eu tava mal por ter terminado
vou pegar
Ella - diz:
ok
Eu - diz:
aqui:
(Aqui vai o texto mais lindo escrito por minha mãe para mim até agora. Perdoem, mas não vou dividi-lo com vocês. É algo puro demais e meu demais. Imaginem algo belo, algo que te erga, algo que te faça enxugar as lágrimas, ao mesmo tempo em que novas lágrimas - dessa vez, de felicidade - surgem. Isso que foi esse texto pra mim. Essa carta, essa oração, que eu ainda hoje pego quando lembranças daquela época me alcançam. Imaginem amor puro escrito, pois minha mãe escreveu Amor, amor por mim.)

Ella- diz:
oooh, que lindo
Eu - diz:
e no começo ela botou aquela frase: ''o amor nao é um SENTIMENTO, é uma HABILIDADE, é um DOM"
Ella - diz:
muito, muito bonito
e deve ser mesmo isso
Eu - diz:
deve ser







É... deve ser.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Ulakapata. - Um.


Tenho cinqüenta mil histórias inacabadas. Tenho vários personagens não-construídos, mas que esperam para nascer. Tenho incontáveis palavras a serem usadas. Tenho mil frases de efeito e orações pensadas. Coleciono enredos para livros. Ambientes de contos me vêm o tempo todo. Vivo em meio um incessante fluxo de idéias que não são. Meus estudos não rendem, meus trabalhos não continuam, minhas conversas perdem o foco, meus relacionamentos perdem o sentido, minha vida perde o vigor de ser – contudo, continuo existindo - , meus amores perdem a vontade, minhas amizades perdem o contato, meus projetos perdem a finalidade, meus ônibus perdem meu ponto, minhas receitas desandam, minhas frases param no meio, meus apoios desistem de mim, minhas chances não são aproveitadas, minhas indiretas são mal interpretadas, minhas diretas são negadas, minhas vontades são ignoradas (ou pior: entendidas), minha dor pouco some, minha alegria se dá superficialmente, minha solidão é acompanhada, minha companhia é só de mim, sei de pouco, falo demais, vivo frustrada por perceber que o cada um tem para viver é a própria vida, ando torto e troco rimas e, enquanto ia contra o vento, de passo curto e trocado, na rua cheirando ao carrinho de flor que já ia longe espalhando sumo de rosa e margarida no chão brilhante do sol, ele me passou, carregando um monte de si. Quando olhei em seus olhos, me assustei com o quanto que ele era. Nunca havia visto ninguém se ser tão sem pudor, tão sem tentar esconder. A mim - que na minha vontade tão forte de me ser inteira, já mostrava timidamente uma pequena parte de mim no meu olhar de brilho mudo - aquele olhar trouxe espanto ao brilhar tão forte e tão de cima, com tanta verdade e clareza sobre seu senhor. Eram olhos que diziam um perfume. Respirei bem fundo e entrou em mim todo o cheiro de certeza que emanava dele. E veio canela com limão e lavanda e café e flor e menta e incenso e fruta e sol e mato e água. Eu senti o cheiro da água. E do sol. E de tudo misturado e tudo nele, como era para ser. Como só podia ser. E podia ser porque era ele.

E ali eu entendi que tinha uma história. E que a minha história não era mais só minha, porque eu mesma não era mais só minha. Ao passar por aquela pessoa e cruzar com o olhar mais real que já tinha visto, eu automaticamente me doei. Dividi-me. Foi ali que me veio a primeira certeza: Eu era. Depois de anos, depois de centenas de cartas a mim tentando me achar, eu me estabeleci. Eu era. Eu sem dúvida era, porque eu já tinha uma segunda certeza: Eu era dele. Eu era daquele ser, eu possuía àquele olhar. Com todos os meus defeitos, com tudo meu que era incompleto, com tudo que havia por terminar, eu pertencia a alguém. E esse alguém não precisou sequer me aceitar, pois no exato instante em que nos vimos, já nos pertencíamos. Não era algo a ser aceito ou não: Era, somente, como o vento é e a terra é. Uma certeza tão forte se estabeleceu onde sempre esteve e éramos juntos. Nós três: eu, ele, e nossa certeza - que ele só sabia que existia justamente por existir – de que estávamos dentro um do outro e de lá não sairíamos. Nos levamos para casa. Parei no meio da rua e fiquei acompanhando-o com o olhar enquanto ia certo por uma colorida galeria. Não me preocupei em segui-lo. Sabia que não precisava.

Cheguei ao meu apartamento sozinha de corpo, mas há muito já havia entendido que jamais estaria completamente só. “Tenho alguém que me tem também, que me é e que me quer ao mesmo tempo em que eu o sou e o quero”. Passei alguns minutos deitada no chão da sala, absorvendo minha nova - e permanente – situação de maravilhoso e certo amor. Até que virei os olhos para olhar a janela e avistei minha estante. Uma das prateleiras estava totalmente preenchida por rascunhos, um mar de coisas interrompidas e não continuadas. Foi então que eu percebi a história que tinha nas mãos e a delicadeza de sua situação. Acabara de nascer – ou sempre estivera lá, ainda não havia me decidido – e já carregava o peso de ser responsável por todas as outras histórias, pelo resto de minha vida. Tudo derivaria dela, pois ela já era meu tudo. Olhei de novo o incompleto de minha vida que me encarava desafiador da estante. Senti vergonha pela falta de continuidade e medo pela nova tarefa que brotara em mim.

Mas essa história eu vou terminar.


(Continua)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Absorve essa rabanada.

Olha, andei relendo os post e achei que o tom aqui tá muito sério. Resolvi usar esse espaço de agora para tratar de amenidades, simplesmente (ou atrocidades, como diria linda Tainá).
Aahn... por tópicos? Parece bom? Vá lá:

- Sábado foi a festa da Maria! Foi lindo, ela estava linda e eu fiz o MELHOR CERIMONIAL QUE QUALQUER UM VAI VER NA VIDA. Falei mal dos outros, ri, brinquei e falei coisas bonitas. Sou sensacional.

- Tô ferrada em matemática. Assim, ferrada mesmo. Pior que só o que eu preciso fazer é tomar vergonha na cara e estudar direito. A vida é dura e não é fácil a vida da bailarina.

- Meu Deus, eu TENHO que fazer um forno solar! Rápido, muito rápido. E o calendário tá tenso. Mas correremos atrás do prejuízo, porque o mundo é isso aí e não dá mole pra ninguém.

- Muito não liguei pras Olimpíadas no Rio de Janeiro.

- Acho muito bobo garotinha que quer ficar com os garotos mas não fica só pra não parecer fácil. Acho que se sente vontade tem que ficar. Falo mermo, joguei a polêmica. Absorve essa rabanada.

- Aaah, "absorve essa rabanada" é a gíria do momento. Tendência total. É o novo "chupa essa manga". Pode (e deve) ser usado da maneira correta ou não. Ou seja, liberdade total com a rabanada; a rabanada é sua e você usa aonde quiser.

- Computador atrasa a vida das pessoas de uma forma inigualável.

- Se eu começasse a escrever mais cedo, teria mais tempo pra dormir depois... Vou pensar mais nisso mais tarde.

- Textos em tópicos são muito mais divertidos de fazer.

- Não, não tomei nada que me deixasse alterada. Esse pensamento caótico é meu mesmo. Não se preocupem, no próximo post eu já devo voltar ao tom introspectivo de sempre. Só achei que vocês mereciam uma folga daquele meu lado. E, honestamente, eu merecia também. =)



(eu não sei, mas as outras pessoas também não sabem)

sábado, 3 de outubro de 2009

Não sou Lóri, mas por favor, ouça.


"Quando cogito escrever, penso talvez fazê-lo para ser-me um pouco menos. Escrever é como um transe, é como um não-existir. As palavras fluem sobre mim, mas não sou eu quem as controlo. Sou apenas um caminho, um local por onde elas possam fluir. Passam por mim arrepiando-me todo o corpo, e é nesse arrepio que existo.
Quando as palavras perpassam-me, sinto-me inteira. Elas fazem seu trabalho de preencher em mim tudo o que outrora havia de vazio. As palavras me são por pura incompetência minha em ser-me. Necessito, num desespero agudo, que elas estejam ao meu lado, para guiar-me e fazer-me existir.
Ao terminar de escrever, sinto um estranhamento fortíssimo, como se aquelas palavras não houvessem sido proferidas por mim. É necessário reler cada sentença infinitas vezes e acostumar-me com a maneira com que as palavras fluem, para em seguida perguntar humildemente se elas permitem que eu as torne parte de mim. Minhas palavras jamais me rejeitaram, e por isso eu as amo como não há amor nenhum no mundo. Meu amor pelas palavras não é 'eu te amo', é 'eu te sou'."

Palavras, Tainá Telles.




É que, Ulisses... Eu acho que estou crescendo. Depois de algo que me enervou, que me fez reagir de formas que não reagiria em tempos idos, percebi que agi certo. Que estava certa. E que após me ver transtornada em idéia clara, soube ir tratar da casa. Soube fazer o que devia ser feito. Eu fiz. Eu, a nova e reclamona. Eu, a contestadora e relaxada. Eu, a afastada e arrogante. Eu, a sabe-tudo desinteressada. Eu fiz o que havia de ser feito e fiz bem. Minha mente subitamente límpida com o calor da raiva e da indignação. Lavei, arrumei, limpei, liguei, busquei, dobrei, falei, ouvi, olhei. Ainda assim, percebi meu medo de fraquejar na hora da ida. Mas resisti. Surpreendentemente (ou nem tanto), permaneci estruturada. Mesmo com todos. Mesmo com palavras soltas no ar da noite. Quando as vi pairar, comecei loucamente a tentar me convencer de que não queria ouvi-las. Mas não queria mesmo. A lua era linda. Poeiras de fala não me abalavam. Mas o que eu penso, Ulisses, que mais me esfrega na cara a evolução de minha aprendizagem é que ao voltar, ao entrar sozinha, não senti raiva. Não senti frustração. Não senti arrependimento.
O que senti (e tenho certeza de que senti, pois não há como comparar isto, muito menos nomear de outra forma) foi um enorme e seguro amor. Um estado de profundo amor certo. Por tudo. Por todos. Por cada.
Mordo o lábio inferior, ponho a mão no queixo, lembro de líquen e o amor me vem diferente. O mesmo amor pelo mundo, com algo a mais. O amor que sempre me diz a mesma coisa: há cura. A cura existe e é perto. Ulisses, eu acho que posso ajudar. Jovem tem dessas idéias de achar que o mundo é um brinquedo de montar. Mas não é aO Mundo que me refiro. O que posso curar é Um Mundo. Por enquanto. Um mundo que pouco sabe, porque, afinal, outros também não sabem. Por enquanto. Um mundo que se souber ouvir saberá agir. Um mundo que - eu sei - , corre, corre, corre para absorver ao máximo cada segundo da felicidade, mas que tem que entender que a vida é feita de fatores, de pensamentos, de outros, de bases e, principalmente - PRINCIPALMENTE, por favor, não esqueça. Leia e entenda. Releia até entender. Saiba o que é. Defina o que é para você, porque a vida, a vida, a pura vida é feita de - amor! Puro amor! O amor primeiro, o amor cuja base não é construída, pois simplesmente é! Esse amor, meu mundo, esse amor faz tudo andar! (E quero tanto ver-te andar). Meu mundo, tens tudo que precisas. Saiba despojar-se do que vai pesar nos bolsos durante a caminhada. Veja o que te é necessário. Ponha na balança, meu mundo, e lembre-se que tudo que posso fazer por ti, eu faço. Quando não faço, é porque sinto que não faz parte de sua aprendizagem.
Quando somos jovens, fazemos as besteiras. Por sorte – e louvada bondade – quando somos jovens temos tempo para corrigi-las.
Ulisses... Acho que estou crescendo.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Me vem.


E então caí em mim e percebi que era eu. E que estava lá. Ou aqui. O que importa é que naquele momento todo o peso do mundo que foi, era ou será, se depositava em meus desavisados ombros. E tudo era tanto. E o mundo que antes me era amplo e gentil me pareceu grande demais, confuso demais.


Eu tenho medo, muito medo de avançar. Posso sentir meu ânimo trêmulo. Dentro de mim, uma borboleta com uma asa quebrada. Vez em quando alça vôo, bela e esperançosa. No momento seguinte, cai torta e seca no chão, sem vontade de tentar voar de novo.


É tudo na hipótese. É como se fosse, como se doesse, como seria se fosse, como seria se pudesse, como diria se quisesse. Ah, como queria, como queria. E do nada sinto tudo de novo, sendo que nunca foi! Sendo que evitei ao máximo voltar a isso e acabei caindo na dor pela minha própria vontade de não sofrer. Fugir me trouxe de volta. Porque eu fugi, eu fugi de mim, eu fugi do que sou, eu fugi do que quero, eu tentei me enganar e agora eu mesma me acuso. Eu fui atrás de mim na cabana vazia e suja no meio de algum lugar de nada e me trouxe para ser julgada no tribunal. Eu me quero punida. Eu me quero fora.

“Por correr de si, Clara deve sofrer. Deverá ser folha de jornal amassada pelo mundo e pelo amor que há de existir, existe e existirá. Nunca haverá um tempo. Tudo será simultâneo: será arranhada a ferida por cada martírio de cada momento sempre que algo machucá-la. Da mesma forma que sorrirá por alegrias do sempre. Tudo que sentir, sentirá acumulado. Esse será seu castigo. Uma lágrima sua chorará todas as dores. Um riso será o da felicidade eterna. Tudo sem a confortável barreira do tempo. Seu castigo será viver o que existe. E todo aquele que se aproximar fará parte da punição, pois existirá. E tudo que existe de verdade, dói.”



Ouvi minha sentença ser lida por alguém-qualquer que sentou-se (por resistente acaso do destino formado) atrás de mim no ônibus. Aliás, não só por ele. Cada um no mundo parecia proclamá-la para mim através do simples ato de serem comigo. Ou de estarem comigo (porque, afinal, ser é pesado demais).

Leia, leia, leia!

Fazendo o merchandising de um blog amigo:
http://abrechacp2.blogspot.com/2009/09/e-chato-ter-que-ser-sincero-algumas.html

Sério, leia. Me fez mais feliz.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A quem interessar possa:

Acabei de pensar que posso estar assustando minha família com esses últimos textos. Não se apavorem: estou bem, não quero me fazer nenhum mal nem fazer mal a outros. Não vou me matar, não odeio ninguém, não me odeio. Mas guardo coisas e todo lugar onde se guarda coisas um dia estoura.
Não se preocupem: explodo por aqui, pelas letras.
E amo muito todos vocês =)

Lixinho - Quatro.


Perdão por trazer quem lê para a inconstância que vem a seguir. Isto precisava ser escrito.




Começa a vir a frase de leve na última porta do canto mais distante da mente. Quase vem formando o parágrafo e Oi!, Oi! Pega água! Fecha a janela e tranca a porta! Arre, não dá pra ir embora? Silencia tudo de novo, parece que vai dar pra ir. Respira. Aparece a pontinha de uma palavra perfeita para começos e alarme! um alarme tocando! Por que tem um alarme?! Como pode ter um alarme?! Meu Deus, alguém cale a boca disso. Tá, parou. Acho que dá para continuar. Rápida e rasteira, tento voltar ao ponto inicial, lembro do início do texto planejado, está quase Por que será que é tão difícil todo mundo ficar em silêncio?! Qual é a dificuldade em me deixar escrever?! Juro, juro que só quero uma hora para mim. Uma hora! É muito? É injusto? Acho que eu mereço uma hora, considerando que é de conhecimento geral que se não escrever, explodo. Agora grita, falando comigo. Deus, pra que falar gritando? E o pior é que, mesmo agora que o diálogo parou, a gritaria é em mim, é dentro de mim, é o grito de tanta coisa que quer sair e não pode porque há outros que gritam mais alto.

Ah, que graça. Parei para esperar pelo santo silêncio que traria paz e escrita. Mas, que maravilha, ao calar do lado de fora calou tudo dentro. Ai, que inútil; justo agora! Justo agora, que seria A Hora de escrever. E porfavorporfavor não acordem. Por favor, não me mandem pra cama, porque só aqui eu sou inteira. Sonhar liberta? Quem disse isso? Quem pôde chegar a pensar que uma noite de sono traria mais conforto e mais liberdade que uma noite inundada em letras? Quem alguma vez duvidou que a sensação de ser tomado involuntariamente pela prova do cansaço do corpo físico poderia ser melhor que adentrar por um texto sem vontade de sair? Quem entendeu essa última frase? E por que eu entenderia se nem mesmo ME entendo e tudo que escrevo é eu? Quem se entende? Às vezes eu acho que me entendo, sim. Que me sei sim. E me sei bem demais, justamente por isso que me perco tanto. Da mesma forma que quando se repete muito uma palavra, ela fica estranha e perde o sentido. Clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, clara, fico repetindo e revendo e já não faço mais sentido para mim e já não me reconheço como eu e que faço aqui?

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

E foi.

E ela tinha o maior abraço do mundo e era uma fogueira. Era em volta dela que nos reuníamos: era para observar sua chama.
E ela continua, que o fogo (o fogo-fogo, o fogo mesmo, o fogo-luz, o fogo-calor, o fogo-chama), o fogo não morre.


(Nesse exato momento passa em algum lugar da galáxia um cometa, indo exatamente para onde deveria ir).

E deixa.


Não tenho nem forças para escrever. Não dá vontade. Estou me forçando a botar algo no papel agora para poder ler depois e tentar entender o que acontece. Parece que deu defeito, atrofiou. Parece que calou a voz de dentro (fiquei com nojo desse clichê).
Ai, queria tanto, tanto, escrever.
É MUITO desconfortável. É fisicamente desconfortável. Parece um bloqueio, sei lá. Eu sinto, sinto mesmo, os textos tentando sair pela minha garganta. Sinto meu cérebro esquentando pelo esforço - como se os neurônios estivessem em atrito. Como se tudo dentro de mim gritasse "escreve, escreve!" e dá mesmo uma vontade louca de gritar, berrar, jogar, cuspir palavras no papel. Não é certo, não é natural não escrever. E por mais que eu esteja escrevendo agora, não é o que eu queria escrever de verdade. Ajuda. Ajuda porque alivia tremendamente sentir tudo isso saindo de mim, ainda que expulso, ainda que forçado, ainda que seja só sombra. Mas não resolve, pois ainda não é o todo de mim que vem. É de mim, mas não é o cerne, não é a essência pura que normalmente sai. Sai a sombra aflita por não conhecer a fundo o lugar de onde veio. Ai, mas já me sinto mais tranqüila: estou me sentindo atraída pelo texto. Está ficando difícil tirar o lápis do papel, desviar o olho, parar de escrever. Isso é bom; significa que está curando. Ai, e o peso vai saindo do peito. E aquela tampa, aquela rolha infeliz que impedia o profundo de aflorar, some.

(Não quero reler o que escrevi. Medo da tampa voltar).

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Lixinho - Três. (A Estrela)



O nome da escola era Piac. Do maternal à quarta série. Muito simpática: mãozinhas dos alunos decoravam o muro da entrada, atividades entre pequenos e grandinhos garantiam a integração social. Aulas muito divertidas, interativas (embora não mais que as outras escolas), um lugar graciosamente normal, com acontecimentos graciosamente normais.

Aí teve a apresentação. Uma apresentação de final de ano da qual todas as séries participariam. Os pais foram convidados, alugou-se um teatro em um conhecidíssimo lugar insignificante e tudo indicava magnitude e sucesso. E a minha turma - na época um fantástico Jardim II, da qual eu gostava de me imaginar uma aluna brilhante - ficou responsável por fazer uma peça de teatro. Tema: O Nascimento do Menino Jesus. Não, não era uma instituição católica ortodoxa (aliás, não era nada relacionado a religião), mas parece que Jesus mexe com as pessoas lá no fundo, sabe. Imagine as avós falando: "Oh, meu neto foi José! Bem se vê que será um garoto de bem! Precisava ver, tão bonitinho! Nasceu para isso". Chamava as pessoas para a peça. Tudo uma questão de publicidade. Tudo armado para que mais familiares fossem testemunhas da linda educação que era dada aos pequenos.

Bom, armação ou não, eu fui escolhida para ser a estrela-guia.

Meu Deus. Eu. A estrela-guia. Eu era o personagem principal ali. Eu que fazia o negócio todo acontecer. Se eu cismasse e fechasse a cara, nenhum dos reis magos chegava até Belém. Estava tudo na minha mão. Aquilo era tudo por MINHA causa. Menino Jesus era um mero figurante, uma consequência. Eu reinava no brilho mais forte.

E a minha roupa de estrela, ah, a minha roupa de estrela. Linda, cintilante, cheia de fitas douradas e prateadas, coberta com pequenas pedrinhas brilhantes (de plástico, mas lindas). Eu ERA a estrela.

E então chegou o dia da apresentação. Nossa mãe, nossa mãe! Fiz tudo certinho, entrei no palco, andei até a manjedoura (posicionada no canto esquerdo, olhando da platéia), subi no banquinho estrategicamente colocado atrás do "estábulo" e fiz meu papel, como eu havia ensaiado por tantas semanas. O sensacional papel de estrela consistia em subir no banquinho, erguer os braços e agitar freneticamente minhas mãozinhas repletas de fitas brilhantes penduradas.
O tempo todo.

Não sei se alguém faz idéia de como os minutos ficam maiores quando se tem cinco anos e sua vida nos palcos depende de que você sacuda suas mãos com a vitalidade de uma cauda de cometa. Em poucos segundos, meus braços começaram a doer. A doer muito. Eu, na minha profissional pequenez, olhei para a minha professora ("tia") com os olhos mais adoráveis que este mundo já presenciou e disse sem emitir sons:

"Tô cansada."

Qualquer um derreteria. Qualquer um diria: "oh, lindinha, pode parar, descansa". Mas acontece que a minha professora, justo a MINHA, era o ser mais cruel daquele jardim de infância e me respondeu:

"Fica revezando as mãos".

Revezar? REVEZAR? Será que aquela mulher tinha filhos? Será que ela sabia o quanto eu queria descansar? Será que aquela mulher tinha alma?!

Eu, dócil, obedeci, lógico. Afinal, era uma aluna-modelo. Mas não sou capaz de dizer quantas vezes imaginei uma revolta violenta contra aquela professora. A última foi hoje à tarde. A cena é sempre a mesma; eu, com toda minha lábia, viraria todos os meus companheiros atores contra a megera sem coração. Todos ficariam muito comovidos com todo o sofrimento que ela me fizera passar e juntariam-se a mim para amarrá-la nas cortinas do teatro e fazê-la sacudir as mãos como se sua vida dependesse disso. Minha visão sempre termina com um close meu. Eu, líder absoluta da rebelião.





Espero que esse texto tenha mostrado a todos a importância de acompanhamento terapêutico na infância. Minha mãe não me botou na terapia porque a Caberj não cobria e deu no que deu.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

C.L.A.

Notícia inutilmente relevante: resolvi começar a ser eu.
Motivo simples: a (esmagadora) maioria dos que acompanham o blog sabe que não respondo oficialmente pela alcunha de Isabella Gispert. Quanto aos que não tem contato comigo enquanto corpo, ao lerem o que escrevo já conhecem mais de mim do que... muitos. Portanto, não vejo mais por que não assinar com o nome que meus honrados progenitores tiveram tanto cuidado em escolher.
Então a partir de hoje - como está registrado na Quinta Circunscrição do Registro Civil das Pessoas Naturais por Marcilio de Abreu, tendo como testemunhas Diana Leitão e Eliana Leitão - sou Clara Leitão Abreu, prazer.
E espero me sentir melhor sendo puramente eu e eu só, porque inevitavelmente o sou.


Engraçado. Choca mais ver meu nome embaixo de idéias minhas do que um apelido qualquer.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Idéias Claras - Três.

, mas há também o dia, e o dia traz luz também. Sua preocupação era conseguir fazer com que a luz do dia não ofuscasse sua mente ainda cintilante da noite. O sol abre mentes – reconhecia. Mas abre tanto que por vezes deixava o espaço livre para as idéias fugirem. Luz é bom – sabia. Mas ao escrever preferia a luz indireta e enigmática da lua. À noite as idéias são claras e, por mais exaltadas que fossem, conformadas com ficar numa só mente.
- Também não há do que reclamar em ficar em uma mente só. Uma mente é infinita.

Continuava, então, a escrever preferencialmente quando não havia sol, pra manter tudo dela ou dentro de si ou no papel. Além dessa restrição, não se controlava para criar de forma alguma. Tudo o que era, escrevia. Mesmo que não soubesse o que era.




(não sei se alguém percebeu, mas a vírgula no começo eu copiei de Clarice Lispector.)
(me amarrei em narrar.)

domingo, 13 de setembro de 2009

Respiro.

Olhou para os dois lados pra ter certeza de que não vinha nenhum carro e atravessou.
Não que no outro lado da rua estivesse o que procurava. Atravessou só para mudar mesmo. Tentava fazer da mesmice de cada dia uma coisa diferente. Enquanto andava, prestava atenção em cada cheiro, cada som, cada cor. Concentrava-se tanto em perceber tudo que levou um susto quando sentiu o celular vibrar no bolso da camisa (tão grande atenção no que estava longe de si fazia esquecer tudo que estava perto). A voz do outro lado era conhecida:
- Onde você está?
- Na rua, mãe.
- Fazendo o quê?
- Só na rua, mãe. Tive vontade de ficar andando, me senti apertada dentro de casa.
Parou em uma floricultura. Olhava as flores distraidamente enquanto a mãe despejava o discurso conhecido:
- Mas você só me avisou que ia sair, Ana Elisa! “Vou dar uma volta”. Já tem uma hora que você não dá notícia! É importante avisar onde está, sabe Deus o que pode acontecer! Como você vai ficar se ninguém souber onde você está?
Se eu quisesse que alguém soubesse onde estou – pensou - não teria saído de casa. Mas respondeu dócil:
- Tem razão, desculpa. Não vou demorar, já estou voltando.
A mãe disse mais alguns mols de conselhos e desligou. Não era culpa dela, ela não estava errada. Mãe é assim mesmo. Mas ah como seria bom poder esquecer-se de tudo sem que ninguém se lembrasse de você.
Escolheu alguns girassóis e pagou no caixa. Com a mente longe, reparou que todas as flores estavam viradas na direção da forte luz do sol. Deu um suspiro e voltou andando para casa.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Mestre,

"Cinco idiotas passavam por uma aldeia. Quando as pessoas os viram, ficaram surpresas, pois carregavam um barco acima da cabeça. Era um barco grande e os cinco estavam quase morrendo sob seu peso. Perguntaram a eles:
- O que vocês estão fazendo?
Eles responderam:
- Não podemos abandonar o barco. Este barco nos ajudou a vir da outra margem até esta. Como poderíamos deixá-lo? Por causa dele conseguimos chegar até aqui. Sem ele, teríamos morrido na outra margem. Já era quase noite e apareceram animais selvagens na outra margem; com certeza já estaríamos mortos agora. Nunca abandonaremos este barco, pois temos uma dívida eterna com ele. Vamos levá-lo sempre sobre nossas cabeças em total gratidão."
Osho, Meditação.

Não me ensineis a ler, não quero ser ensinada. Não digo que sei tudo, nem nego que tendes conhecimento. Meu orgulho não vai tão longe a ponto de me cegar para tudo que podeis me transmitir. Mas não quero que me transmitais nada além de vontade e sugestões. Vosso método não me interessa. Se for aprender, aprenderei de mim. Eu leio, eu penso, eu vejo. Se estiver vendo a coisa errada, eu pagarei meu erro, mas tudo será meu e de mim. E isso me fará crescer. Passai-me a luz, mas não me deixeis perceber. Fazei de um modo que eu sinta o saber em mim e não saiba dizer de onde veio. Enganai-me. É só o que vos peço. Dai-me, por gentileza, o prazer de poder pensar que aprender é milagre.
Não deixeis, de forma alguma, de ensinar aos outros objetivamente. O caso é meu e só. Já dispenso meu barco, dai-o a quem precisa agora. O tempo de andar de mãos dadas passou; agora caminho sozinha. Peço apenas que fiqueis a postos, porque eu vos chamarei se cair ou se parar sem poder escolher por onde seguir. Não digo que pedirei ajuda se me perder, pois perdida sempre estou. Se algum dia me encontrar, perco o sentido da procura e de que adiantaria seguir então? Fujo do meu centro de propósito, para poder conhecer o máximo de minha periferia. Toco meu total ocasionalmente – reflexos, flashes – mas volto rápido para segmentos de mim. Não, ainda não me interessa me ter em total consciência. Por enquanto, a simples certeza de saber que sou total e inteira dentro de mim me basta.
Portanto, peço: não me tireis isso. Não me tireis o direito de descobrir sozinha. De me descobrir sozinha. De ler sozinha. De me ler sozinha. Porque tudo que leio é eu.
Meu respeito e minha admiração por vós não acaba.
Grata.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Lixinho - Dois.


Tem dias em que dá vontade de desligar tudo. Incluindo pessoas. Aliás, especialmente pessoas. Eu não me incomodaria de poder, com um botão, calar tudo que gostaria de calar nos outros. Não pense que me superestimo. Não me acho melhor que ninguém. Mas tem vezes - Ah tantas vezes - em que a glória seria botar o mundo no mudo, e ouvir só o que vem de dentro (ou só o que tem de puro do lado de fora).

Mas é necessário considerar que estou de mau humor. Chata mesmo. E, sendo sincera, se eu fosse eu e me conhecesse agora, ia querer me desligar. Você tem o poder de fazer isso, não desperdice.

Vou dormir, cansei de mim.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Depois.


Já amou? Não alguém, não algo, mas só amou, sem direcionar o sentimento a nada? Já houve alguma situação em que subitamente se sentisse inundado, completo por um enorme, enorme amor, simplesmente? E dá vontade de rir. De chorar. De abraçar o mundo. De agradecer. E é tão bom. E é tão puro. E é de verdade, porque não é por ninguém. E sem amar ninguém nem nada, você sente que ama e é amado mais. Mais.

É como se o peito estivesse todo aberto e, ao mesmo tempo em que é possível se ter plena certeza de si - "Eu existo e sou eu, pessoa, inteiro" - a certeza maior é de que nunca se esteve tão longe do indivíduo e tão perto da unidade. E que o uno ama.

Agora Amor é tudo e é como se tudo fosse para amar. Não amo um, amo o todo.


"Look at the stars, look how they shine for you."

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Lixinho

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHMMMRRRRRFTFTFTTFFFFFFFFFFFFFFFTFRFTRFTRFTTTTTTTTTTTTTTTTRFFFFFFFFFFFHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHUHHHUHUHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHH!!!!!!NAOQUEROMAISTERQUEFAZERNADA!QUEROLERECOMERTORTADEMAÇAPRORESTODAVIDA!MMMMMMMMMMMMMMMFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHH





ufa.

Idéias Claras - Dois.


(Eu devia estar fazendo uma pesquisa sobre fornos solares, mas fugi pra cá. Ninguém viu nada, que fique avisado.)

Vontade de vomitar um texto. É uma metáfora nojenta e desagradável, mas transmite exatamente o que eu quero. Chegar aqui e despejar cada impressão, cada pensamento, cada sensação que me vier. Escrever me faz tão bem. Fiz esse blog pra voltar ao velho hábito de pensar para fora, que sempre me fez ficar inteira. Honestamente, as palavras nunca interessaram muito, desde que elas estivessem lá. O grande prêmio é vê-las no papel (ou na tela). Como uma mãe que vê um filho crescendo, eu me realizo num texto meu que vejo ultrapassando páginas.

Isso é vício. Palavra é vício.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Idéias Claras - Um.

Ao se começar algo, deve-se terminar, certo? Ir até o final, vencer a batalha, correr a distância, alcançar a meta.
E se se começa sem meta, no escuro? Quando se termina algo que não se sabe qual é o final? Ou vai ver que o final não chega. Por exemplo, minha vida. Tenho poucas, confusas e constantemente cambiantes metas. Sou sensatamente paradoxal e não estou nem aí. No mesmo momento em que crio uma meta, crio a vontade para eliminá-la, mas seguem todas juntas. Onde isso termina? Para onde viver assim? Por aí.
Sempre tive uma certa dificuldade de concluir coisas. Não sei ao certo se era minha vontade de aproveitar ao máximo aquele momento de "estar acontecendo" ou se simplesmente sempre fui aérea demais para visualizar um final. Começo textos sem pensar no final, entro em relacionamentos sem saber o que quero, faço desenhos sem saber o que estou desenhando. Não tenho, de forma alguma, falta de expectativas. Não. Espero até demais de tudo. Só não sei aonde quero chegar.
Nunca soube dizer o significado do fim. Concluir, terminar, é o prêmio ou o castigo? Em geral, me esforço tanto para finalizar projetos que conseguir isso é uma grande satisfação. Mas tão logo termino, já sinto falta da ocupação. Não sei dizer qual a fonte do prazer, se é o fim ou o fazer (rimou sem querer).

Um amigo meu - talvez o melhor que eu já tive - uma vez me disse que pensava minuciosamente cada texto seu. Que esquematizava, decidia o que queria fazer, observava, pesava cada palavra e, só então, escrevia. Eu, ao contrário, me meto pelo texto como uma gazela doida e cega entra no mato. Não vejo, não sei, não marco o caminho. Mas se eu me perder eu grito. O fim, para o meu amigo, é um fato, uma etapa, a última coisa antes de fechar o envelope, selar, endereçar e mandar. Para mim, é o desconhecido. Algo que pode não vir. Algo por vezes desesperador que pode botar tudo que veio antes a perder. Cada texto que começo é medo e tensão pura para mim. Como acabar? Às vezes não acaba. Mas vai dizer que não é muito mais divertido, muito mais emocionante escrever assim, brincando de cabra cega com palavras?

Não há surpresa nenhuma para o fim desse post: é óbvio que não sei como terminar. Vou sair de fininho pelo canto, antes que alguém perceba. E passar bem.

Abrindo.

Me fazendo escrever, pra ver se eu tomo jeito.
Sem obrigação de ser bom, sem pretensões, só mais um lugar pra tentar ser.
Ah, e sem disciplina também.

Alea jacta est.