terça-feira, 31 de agosto de 2010

Fio.

Corpo posicionado, tudo certo. Olhar o meu (por assim dizer) casco (por assim dizer) de fora, é estranho. Sou menor do que pensava. Meu cabelo parece mais escuro, também. Dou uma volta ao redor de mim só para poder olhar mais um pouco. Com um suspiro, pego a corda fina e frágil para amarrar firmemente meus pés e mãos. Passo uma faixa de pano pela minha cintura. Não sei como a carne reagirá durante o procedimento. Procurei uma cadeira grande e confortável. De madeira, certo, mas suporta bem minha coluna. Minhas pernas estão em ângulo de noventa graus com o chão. Pareço confortável. A única coisa que realmente incomoda (além do sinistro fato de me ver atada a uma cadeira) é não conseguir fechar meus olhos. Pensei que seria fácil abaixar minhas pálpebras, mas meu corpo - por reflexo, talvez – insistia em se manter atento, encarando aleatoriamente o nada. Meus olhos são castanhos. E maiores do que eu me lembrava. E estão mortos e em brasa.

Ainda respiro, claro que sim. A carne está viva e o resto também. Quer dizer, quase todo resto. Alguma coisa deu defeito. E é por isso que eu saí de mim, me endireitei em algum lugar, me amarrei e agora pego a faca. Começo o corte.

Enterro a lâmina em minha cabeça, logo acima de minha orelha esquerda. Forço até que a lâmina suma. Em seguida, firmo a cadeira e continuo o corte até chegar à minha outra orelha. Então levanto a faca para que o segmento de meu crânio se separe facilmente do resto. Assim consigo uma visão ampla e precisa do que se passa sem ter de rasgar meu rosto. Retiro a tampa e de imediato consigo ver todos eles, se mexendo e entrelaçando: incontáveis fios. Cor, tamanho, espessura, consistência, velocidade – parece até que a gravidade é diferente pra cada um. Ou que não há gravidade, e cada um segue regras físicas próprias. Ou talvez não sejam físicos.

Foi por esse novelo que me prendi e me cortei. Para poder encarar cada linha, saí de mim e tirei meu sangue. O que ainda me faz segurar a faca é dor. Quando o sofrimento é tão grande que faz com que se ejete o próprio não-corpo de si, parar de se abrir é parar de tentar. Dói mais sentir que não se pode voltar. Não sinto o gelado do metal em contato com a pele, a forma como puxa e empurra antes de me talhar a fronte ou o jeito com que perfura o que tenho dentro. Não sinto nada. Meu corpo já não é mais eu.

E cada fio na minha cabeça me puxa para um lugar diferente.



(Eu acabei não terminando esse aqui – um fio mais forte me fez desviar. Mas hoje é minha última chance de postar nesse mês de agosto. Então cá estou.)

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